PATATIVA E EU
- Francis Vale
- 10 de jul. de 2017
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Corria o ano de 1972. O Flamengo do Rio veio jogar em Fortaleza contra o Ceará Sporting Clube. Entre os atletas do rubro negro carioca estava o meia Humberto Redes, irmão do Serginho Redes, à época jogador do Fortaleza Esporte Clube. Depois do jogo, num começo de noite de domingo, fomos para a casa do doutor Antônio José Silva Lima, médico nosso amigo, que estava oferecendo um pequeno coquetel ao nosso ilustre visitante. Entre os convidados estava o arquiteto e compositor Ricardo Bezerra que, sentado a uma cadeira, dedilhava seu violão. Lá pelas tantas, cantarolou uma canção que dizia “ eu venho desde menino/desde muito pequenino/cumprindo o belo destino/ que me deu Nosso Senhor.... Quando terminou, perguntei-lhe de quem era aquela bela canção. Ele respondeu: “ A música é minha, os versos são do Patativa do Assaré”.
Corria o mês de março de 1973. Ouço o LP “O Último Pau de Arara” ou “Manera Fru Fru” e ouvi a mesma música indicando como autores Raimundo Fagner e Ricardo Bezerra.
Dia 25 de maio de 1973. Aniversário de 23 anos de meu amigo e parceiro Stélio Valle, comemorado na casa de seu pai, Stênio Ribeiro do Valle, na avenida Heráclito Graça esquina com Rodrigues Junior. Estávamos lá Ricardo e eu. Perguntei ao Ricardo o que teria havido para a omissão do nome do Patativa e o acréscimo do nome do Fagner. Ele respondeu que passou “ a fita com a música para o Fagner, autorizando entrar na parceria, fazendo modificações. O Fagner fez alterações, mas não sei porque omitiu o nome do Patativa”.
Em junho do mesmo ano, depois de um show organizado pela Federação Universitária Cearense de Esportes (FUCE), falei com Fagner. Ele disse que tinha sido falha do pessoal da gravadora, mas que depois ele iria consertar. O papo ficou por aí.
No início de julho de 1976, estava eu no Crato ( época de Exposição Agropecuária, a maior festa do Município) e fui informado por meu amigo Geraldo Lima Batista ( o poeta Geraldo Urano ou Lima Batista) de que Patativa encontrava-se na cidade, pra onde costumava vir em tempo de Exposição. Geraldo quis me apresentar a produtora Teta Maia que então trabalhava na loja de eletrodomésticos pertencente ao senhor Ernani Silva, pai de nosso amigo Alexandre Arrais e Silva, que conheci estudante de Economia em Fortaleza nos anos 60. Conversei com seu Ernani, ele me deu notícias do Alexandre e perguntou o que eu desejava. Falei que queria conhecer Patativa. Ele foi comigo e o Geraldo até a pensão da Dona Suzana onde o poeta se hospedava. Como Patativa não se encontrava, deixou recado dizendo que voltaríamos para conversar com ele.
Voltamos por volta de meia hora depois e Patativa estava a nos esperar. Após as apresentações, perguntei se ele sabia da gravação de seus versos. Ele respondeu que sim. Disse que estava internado no Hospital São Francisco, no Rio de Janeiro, tratando-se de lesão numa perna, consequência de um atropelamento ocorrido em Fortaleza. Certo dia apareceram dois rapazes vestindo paletó, com um gravador na mão. Ligaram o aparelho, perguntaram se os versos da música eram dele e ele respondeu que sim. Em seguida perguntaram se ele queria processar os dois que constavam na capa do disco como autores. Ele respondeu: “ quero não, eu vivo é da minha roça. Não quero dinheiro deles não, só quero que coloquem o meu nome. Os versos não são meus?”. O papo ficou por aí.
Na primeira vez que encontrei Fagner, contei-lhe o ocorrido. Ele repetiu: “Vamos consertar isso”.
Janeiro de 1979. Estávamos no Crato. Fagner, Fausto Nilo e eu fomos encontrar Patativa em um restaurante, aonde ele chegou acompanhado de seu compadre Antônio Rosemberg de Moura, o Rosemberg Cariri. Nesse encontro ficou acertado que Fagner produziria um disco com os versos de Patativa, ao tempo em que estava produzindo vários LPs pela gravadora CBS.
Março de 1979. Fagner consegue que a CBS envie a Fortaleza um engenheiro de som com um gravador “Nagra”, para registrar versos de Patativa declamados no palco do Teatro José de Alencar( por ocasião do evento chamado “Massafeira”) e num dos quartos de sua residência na rua Artur Timóteo esquina com Sousa Girão.
Dezembro de 1979. No Teatro Carlos Gomes do Rio de Janeiro é lançado o LP “Patativa do Assaré – poemas e canções” e também o disco revista “Soro”, do qual constam versos de Patativa gravados no mês de março em Fortaleza. Por minha sugestão, Patativa foi ao Rio dizer seus poemas no lançamento dos dois LPs.
Corria o ano de 1981. Fagner produz novo disco de Patativa: “A terra é naturá”.
Com sua sabedoria, Patativa ganhou dois LPs, porque recusou-se a processar os co-autores de sua música. Ganhou ainda muitas gravações de suas músicas. Assim como alguns ganharam alguns trocados pegando carona no seu talento.
Entrei nessa história temendo que processo por apropriação indébita de direito autoral viesse a borrar a biografia de amigos.
Somente voltei a ver Patativa em 1999, no dia de seu aniversário de 90 anos. Houve grande festa em sua cidade e fui até sua casa fazer-lhe uma visita.
Nunca mais vi Patativa. Tudo que escrevi sobre ele foi isso aí. E só.
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